Ritos Fúnebres e Irmandades na Igreja Matriz da Freguesia de São João Baptista de Meriti no Século XVIII
Ritos Fúnebres e Irmandades na Igreja Matriz da Freguesia de São João Baptista de Meriti no Século XVIII
As informações deixadas por Monsenhor Pizarro e Araújo em suas visitas pastorais sobre as freguesias do Rio de Janeiro registram os valores dos sepultamentos dentro e fora da igreja matriz das freguesias. Diante dessas informações foi possível verificar os valores desses sepultamentos para a igreja matriz de São João Batista de Meriti, no final do século XVIII.
Á Fabrica
Pela Cruz, em qualq.r encomendaçaõ, 320. Por
Sepulturas, desde a porta principal té ás travessas, 2$000.r.s: té
as grades, 4$000.reis: das grades té o Arco Cruzeiro, 8$000.r.s,
dentro da Cap.a Mór, saõ á arbítrio do Paroco. (ARAÚJO, 2008, p. 86)
Com isso, constatamos que na igreja matriz de São João Batista de Meriti, atualmente localizada no Bairro de Parque Lafaiete em Duque de Caxias, assim como em todas as freguesias do Rio de Janeiro, existiram sepultamentos dentro e fora do templo, como era prática comum em todo do Brasil até sua proibição nos meados do século XIX.
A produção fúnebre interessava aos vivos, pois ela procurava dissipar inquietações e angústias diante da morte, tendo em vista que a morte tem algo de caótico. Porém, essa ordem perdida com a morte era retomada com os ritos fúnebres realizados. O espetáculo fúnebre servia para distrair os participantes da dor, ao mesmo tempo que convidava o espectador a participar da dor. Reunidos e solidários para despachar o morto, os vivos recuperavam algo do equilíbrio perdido com a visita da morte, afirmando a continuidade da vida. (REIS, 1994, p. 173)
Os responsáveis por esse espetáculo eram as irmandades
religiosas. As irmandades religiosas eram associações corporativas, no interior
das quais se teciam solidariedades fundadas por hierarquias sociais. As irmandades
eram formadas sobretudo por leigos, mas podiam receber religiosos. Para que uma
irmandade religiosa funcionasse ela precisava encontrar uma igreja que a
acolhesse, ou construir a sua, e ter uma estatuto ou compromisso aprovado pelas
autoridades eclesiásticas. Esses estatutos estabeleciam os cargos, ou funções
dentro da irmandade. Normalmente, cada templo acomodava diversas irmandades em
que cada uma venerava seu santo patrono em altar lateral, não coexistindo
irmandades com o mesmo nome no mesmo templo. Quando a irmandade se tornava
muito rica ela poderia construir sua própria igreja, entretanto, nesses
templos, em geral, não funcionava mais de uma irmandade. (REIS, 1994, p. 60-62)
A Igreja ainda contava com mais dois altares laterais,
totalizando cinco altares. Com isso, a igreja ainda possuía do lado da
Epístola, lado direito, o segundo altar lateral dedicado a São Miguel. E do
lado do Evangelho, lado esquerdo, o segundo altar lateral dedicado a Santo
Antonio. Contudo estes dois altares não possuíam irmandades constituídas.
(ARAÚJO, 2008, p. 76)
Segundo Monsenhor Pizarro e Araújo estas irmandades
estavam arruinadas, pois seus altares estavam sem cruzes, castiçais, toalhas e
demais adornos, inclusive, algumas imagens precisavam de reparos na pintura,
outras danificadas por completo. Assim, essas irmandades estavam abandonadas,
elas existiam só no nome, pois nem uma vela possuíam. Quando da visita, três
homens foram chamados para fazer a Procissão das Almas vestindo as opas, capas,
da irmandade, por não ter se apresentado nenhum irmão dessas irmandades. Diante
disso, Monsenhor Pizarro e Araújo sugere que estas irmandades sejam extintas.
(GALDAMES, 2007, p. 176)
Porém, o Sr. José Luiz Machado, conhecido como o Sr.
Machadinho que alterou a placa da Estação de Meriti para Caxias, em entrevista
ao Jornal O Tópico, em 1958, em comemoração ao aniversário de quinze anos de
fundação do Município de Duque de Caxias, nos deixa um indício importante. Ao
contar sobre uma briga envolvendo o destino da imagem de São João Batista entre
os mentores da irmandade de São João Batista, no caso as famílias Teles de
Menezes e Teles Bitencourt, nos dá indício de que pelo menos aquela irmandade
ainda existia, até os meados do século XIX. (REVISTA PILARES DA HISTÓRIA, 2003,
p. 66)
As recorrentes epidemias na Província do Rio de Janeiro, no segundo quartel do século XIX, aumentavam substancialmente a demanda por sepulturas. As igrejas já não tinham mais espaços para os sepultamentos frequentes. Não se respeitavam o tempo para abrir uma cova para um novo sepultamento. Os médicos recomendavam que os mortos não poderiam ser enterrados dentro das igrejas, pois eles emitiriam miasmas que contaminariam os vivos e assim as epidemias não cessariam.
Uma portaria emitida por Dom Pedro I, em 1825, ordenava
ao provedor-mor de saúde o estabelecimento de um cemitério, com a ajuda das
autoridades eclesiásticas, devido à insalubridade dos sepultamentos que eram
praticados no Rio de Janeiro. Em 1828, um decreto imperial estabeleceu a
regulamentação sobre a criação de cemitérios fora dos templos. Esse mesmo
decreto conferia às Câmaras Municipais a competência na matéria. (RODRIGUES,
1997, p. 90)
Na Baixada Fluminense, o cenário não era muito diferente,
uma vez que, em 1833, o Governo Regencial recomendava novamente que a Câmara
Municipal cumprisse suas posturas no que se referia à extinção das sepulturas
nos templos. Pois, chegou ao seu conhecimento que na Freguesia do Pilar, as
febres continuavam a afligir os habitantes e que a causa do flagelo eram as
contínuas exalações miasmáticas produzidas pelas sepulturas dentro do recinto
dos templos. (RODRIGUES, 1997, p. 90)
A segunda metade do século XIX foi marcada por desequilíbrios ambientais oriundos do desmatamento de áreas de cabeceiras e das matas ciliares, às margens do rio Pavuna/Meriti. Isso diminuiu o volume de água e aumentou a quantidade de sedimentos que chegavam aos rios da região. Consequentemente, esse desequilíbrio provocou a diminuição da profundidade do rio e bancos de sedimentos que impediam o escoamento das águas. Tudo isso, dificultava a navegação que era mais segura apenas em períodos de maré cheia. Com os cursos de água obstruídos, a proliferação de doenças assolou todas as Freguesias da Baixada, mas a Freguesia de São João Baptista de Meriti foi uma das mais atingidas, em especial pela epidemia de cólera-morbo de 1855. Além da cólera-morbo, a malária era outra doença frequente que afetava a população. (TORRES, 2004, p. 209)
A
epidemia de cólera-morbus, que teve seu surto na capital do país em 1855 e se
propagou pelas cercanias e invadiu o interior, irrompeu na vila [de Iguassú] em
setembro, sendo o primeiro caso o de um escravo de Bento Rodrigues Vianna.
Seguiram-se logo outros escravos empregados no serviço fluvial, apresentando-se
o mal com caráter violento.
(...)
Irradiou-se
a terrível epidemia invadindo as freguesias de Meriti e Jacutinga, com
especialidade nas fazendas da Cachoeira e S. Matheus, ambas do visconde de
Bonfim.
(...)
Nas
fazendas de S. Matheus e Cachoeira ocorreram 51 casos, sendo 21 graves,
atendidos pelo então acadêmico de medicina Luiz de Queirós Mattoso Maia, o
futuro Professor de História do Colégio Pedro II. Em Jacutinga e Meriti a
epidemia foi mais persistente, fazendo numerosas vítimas.
Em 15 dias, registraram-se no
município 338 casos, dos quais 121 fatais. (FORTE, 1933, p. 61-62)
Essa situação de desequilíbrio ambiental proporcionou o ambiente favorável para o surgimento de seguidas epidemias que tornaram evidente a necessidade dos sepultamentos fora das igrejas. O discurso médico ganhou força diante das evidências provocadas pela grande quantidade de mortes num curto espaço de tempo. Primeiro pela epidemia de febre amarela, ente 1849 e 1850. Seguida por uma epidemia de Cólera-morbo. Essa epidemia de cólera assolou a Freguesia de São João Baptista de Meriti como mencionado por Matoso Maia Forte (1933, p 61-62). Essa epidemia impactou a mão de obra escrava, sobretudo na Fazenda de São Mateus. Quando ocorreu uma reforma na antiga Capela de São Mateus, foram encontradas ossadas de escravos que foram vítimas dessa terrível epidemia.
Em 1855 e 1856 o Rio de Janeiro foi assolado, pela primeira vez, pela epidemia de cólera-morbo, com 4.828 vítimas. Entre 1857 e 1860, a mortalidade manteve tendência ascendente, oscilando anualmente em função da violência da febre amarela. Em 1865, novo pico de mortalidade em virtude de uma epidemia de varíola e de outras doenças favorecidas pela aglomeração das tropas com destino ao Paraguai. Em 1867 e 1868, a cólera-morbo grassou novamente. (BIBLIOTECA VIRTUAL ADOLPHO LUTZ)
As informações deixadas por Monsenhor Pizarro Araújo informando sobre os preços dos sepultamentos dentro do templo de São João Baptista de Meriti também nos permite observar que existia a possibilidade de sepultamentos do lado de fora, pela Cruz, apresentando o preço mais barato. Assim, o cemitério da Igreja Matriz de São João Baptista de Meriti é anterior à obrigatoriedade de sepultamentos fora do templo.
Entretanto, em 1857, segundo o site Histórias e Monumentos ocorreu um desabamento de uma das paredes do templo. A proximidade de tempo do desabamento no ano seguinte à terrível epidemia de Cólera-morbo (1855-1856) que castigou a freguesia nos permite inferir que ocorreu um esvaziamento populacional da freguesia. Isso gerou a decadência do templo. Mesmo assim, há indícios de que o cemitério continuou sendo usado, tendo em vista a informação de que existiam bonitos mausoléus.
No século passado, recebeu várias reformas, e suas terras foram ocupadas por intenso processo de loteamento. O primitivo cemitério, situado nas imediações da igreja, era rico em mausoléus artísticos, alguns esculpidos em mármore de Carrara, mas suas terras foram loteadas e vendidas. Os moradores locais quando escavavam o solo, antes do asfaltamento das ruas, encontravam ossadas humanas e nos dias de chuva forte a enxurrada fazia aflorar ossos em vários pontos da via pública. Populares, então, procuravam mandíbulas para retirar os dentes e obturações de ouro, comuns na época. (MONUMENTOS E HISTÓRIAS)
Dessa forma, os sepultamentos dentro do templo da Igreja Matriz da Freguesia de São João de Meriti se encerraram com as proibições na segunda metade do século XIX desencadeadas pelo grande número de mortes provocadas pelas sucessivas epidemias, sobretudo a epidemia de cólera-morbo de 1855-1856. Essas epidemias desestabilizaram a economia rural da freguesia cuja população rural fazia da Matriz da Freguesia um ponto de encontro, durante as missas de domingo, dessa população que vivia dispersa em suas propriedades rurais ao longo da semana. As epidemias provocaram um esvaziamento ao ponto do templo ruir. Porém, o cemitério instalado nas imediações do templo continuou sendo utilizado como campo santo, provavelmente até a transferência do padroeiro e sua irmandade para o local do novo templo, a Igreja da Matriz, no Centro do Município de São João de Meriti. Com isso, o cemitério da antiga matriz foi sendo abandonado e posteriormente despareceu com os loteamentos na área adjacente ao templo da Igreja de Santa Teresinha do Menino Jesus.
BIBLIOGRAFIA
ARAÚJO, José de Souza
Azevedo Pizarro e. O Rio de Janeiro nas visitas pastorais de Monsenhor Pizarro:
inventário de arte sacra fluminense. Concepção e Organização Marcus Antonio
Monteiro Nogueira. 1° Ed. Rio de Janeiro: INEPAC, 2008. Vol. I.
GALDAMES, Francisco
Javier Müller. Entre a cruz e a coroa: a trajetória de Mons. Pizarro (1753 –
1830). Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para a obtenção do
título de mestre em História. Niterói, 2007.
HISTÓRIAS E MONUMENTOS. Disponível em: <https://historiasemonumentos.blogspot.com/2014/01/igreja-de-santa-terezinha-do-menino.html?m=1> Acessado em: 19/08/2023.
REIS, João José. A
morte é uma festa: ritos fúnebres e revolta popular no Brasil do século XIX.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
REVISTA PILARESA DA
HISÓRIA. Jornal Tópico. Meriti: nasce uma cidade, 1958. Ano 2, N° 2, Maio de
2003.
RODRIGUES, Cláudia.
Lugares dos mortos na cidade dos vivos: tradições e transformações fúnebres no
Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento
Geral de Documentação e Informação Cultural, Divisão de Editoração, 1997.
TORRES, Geneses. Baixada Fluminense: a construção de uma história. Rio de Janeiro: IPAHAB, 2004.
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